Organizado
pelo Instituto Augusto Boal em parceria com o MST, evento na Escola
Nacional Florestan Fernandes reuniu militantes sociais e culturais e
grupos teatrais de seis países com o objetivo de fomentar uma rede
internacional de cultura baseada na práxis do Teatro do Oprimido

Julian Boal idealizou encontro que fortaleceu legado do pai Augusto Boal
Por Janelson Ferreira e Maria Silva, MST
Durante os dias 27/06 a 02/07, cerca de 100 militantes estiveram
reunidos no Encontro Internacional de Teatro do Oprimido, na Escola
Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, São Paulo. Grupos de
teatro do Uruguai, Argentina, Portugal, Israel, Índia, além de vários
outros do Brasil buscaram discutir a contribuição do Teatro do Oprimido
para a classe trabalhadora e a importância desta ferramenta na atual
conjuntura.
O Encontro, organizado pelo Setor de Cultura do MST, foi proposto há,
aproximadamente, um ano, a partir da necessidade de conhecer e debater
as experiências ligadas ao Teatro do Oprimido em todo mundo.
Durante a atividade, a militância buscou aprofundar as técnicas, além
de compartilhar todo o acúmulo obtido por esta forma teatral que,
surgida no Brasil, está presente em todos os continentes. A proposta é
que, a partir desta atividade, se constitua uma articulação
internacional entre os Grupos de Teatro do Oprimido.
Segundo Júlio Moreti, Dirigente Nacional do Setor de Cultura, o
Encontro foi fruto de um esforço coletivo e representa um momento
histórico para o Teatro do Oprimido (TO).
“Aqui nos permitimos discutir abertamente a função do TO para a
classe trabalhadora e analisamos seus limites para que, assim, possamos
avançar com esta que é uma potente ferramenta para trabalhadores e
trabalhadoras”, afirmou Moreti.
No decorrer do encontro, os grupos de teatro apresentaram suas peças
e, ao final da apresentação, elas foram analisadas e debatidas, a fim de
gerar uma discussão crítica sobre a técnica utilizada.
De acordo Moreti, o teatro permite à classe trabalhadora se
confrontar com as contradições existentes dentro do capitalismo. “O
Teatro do Oprimido permite nos colocarmos na posição do oprimido e da
oprimida e, não impor respostas, mas problematizar situações cotidianas
que são naturalizadas na sociabilidade capitalista”, finaliza.
Teatro do oprimido e transformação social
O Teatro do Oprimido é um método teatral elaborado por Augusto Boal,
teatrólogo brasileiro, durante a década de 60 e 70. O método busca
democratizar o acesso à prática teatral e fazer com que, por meio desta
linguagem, a população pobre possa discutir as possibilidades de
transformação social.
Por ser um método, o Teatro do Oprimido sistematiza diversos jogos,
técnicas e exercícios teatrais que estão acessíveis a qualquer pessoa,
independentemente de formação específica. Entre suas técnicas estão o
Teatro-Fórum, Teatro-Invisível, Teatro-Imagem, Teatro-Jornal, e outros.
Todas elas são usadas pelos grupos de teatro para discutir, tanto no
campo quanto na cidade, questões como o machismo, lgbtfobia, racismo e
exploração do trabalho.
Um dos participantes do encontro foi o Grupo Casoneros de Teatro do
Oprimido, de Buenos Aires. Ele surgiu na capital argentina, em 2001, a
partir da necessidade que alguns militantes, que tinham contato com o
TO, verificaram de fortalecer o método naquele país.
Para o Casoneros, o campo subjetivo e metafórico é um elemento
fundamental dentro da sociedade capitalista e, por isto, tem importância
central para a construção de uma análise crítica anticapitalista da
sociedade atual. É neste ponto que se valida o dispositivo do Teatro do
Oprimido, pois ele permite a abertura de discussões que não estão
imediatamente visíveis para a sociedade.
O Encontro Internacional de Teatro Político Augusto Boal
O encontro de Teatro do Oprimido ocorrido na ENFF foi o que os
coordenadores do mesmo definiram como um desdobramento imediato do I
Encontro Internacional de Teatro Político Augusto Boal, que aconteceu em
Maricá durante o I Festival Internacional da Utopia, entre os dias 22 a
26/06. Diferente do sediado na Escola Nacional, estiveram presentes
grupos e pessoas que trabalham com técnicas que não apenas as do TO.
O Encontro transformou Maricá num grande palco, por vezes ao ar
livre, como as apresentações que aconteceram nas ruas, no Anfiteatro da
Praça Central da cidade ou na Feira da Reforma Agrária e Economia
Solidária. Outras vezes, aconteciam no tablado da sala do cinema
público, ocupado e adaptado para receber a atividade. Lugares que se
tornaram espaços de troca entre espectadores e atores. Em alguns casos, o
público acabou assumindo o papel de “espect-ator”, na definição do
dramaturgo e criador das técnicas do Teatro do Oprimido e o homenageado
do encontro, Augusto Boal.
Foram cinco dias de atividades entre intervenções, debates, oficinas e
apresentações. Apenas nas apresentações dos espetáculos estiveram
presentes em torno de quatro mil pessoas, dentre as quais algumas turmas
das escolas públicas de Maricá, que fizeram questão de transferir em
alguns dias a sala de aula para o teatro. Ao todo, 14 grupos
apresentaram-se, alguns por mais de uma vez e em diferentes espaços. Na
composição, várias técnicas e modos de se realizar o fazer teatral e
apresentar as discussões.
Segundo Douglas Estevam, do Coletivo de Cultura do MST, tanto um
encontro quanto o outro “tinham preocupações importantes em fazer uma
análise das questões formais e estéticas do teatro político atual”. A
maioria dos grupos participantes dos dois encontros desenvolvem
trabalhos ligados aos movimentos sociais e à luta política nos seus
países de origem.
A escolha e convite dos grupos que participaram do Encontro
Internacional de Teatro Político, não foi de maneira nenhuma aleatória.
Muitos destes se destacam pela proximidade com os movimentos sociais,
sindicatos, organizações políticas, ou mesmo organizações de bairro.
É esse o caso de grupos como o Jana Sanskriti, da Índia, e outros
grupos da América Latina, como relata Estevam: “Praticamente todos os
que foram convidados pelo MST tinham essa característica. Talvez um dos
mais interessantes, de maior destaque, foi o grupo da Índia, o Jana
Sanskriti, pela sua história, porque é um grupo que tem mais de 30 anos
de existência e que fazem trabalhos sobre os problemas da organização
dos partidos, dos movimentos sociais, os processos de cooptação da
militância dos partidos e também trata de temas de gênero, das questões
culturais do seu país, como por exemplo, a questão do casamento forçado
das mulheres”, tema da apresentação do grupo na primeira noite do
encontro.

Peça do Jana Sanskriti em Bengali debate disputas partidárias na Índia. Não houve problema de compreensão
Nesses 30 anos do Jana Sanskriti, mais de 20 mil pessoas passaram
pelos processos de formação e se organizaram em atividades teatrais em
torno do trabalho do grupo.
“Outro destaque foi o GTO Montevideo, que no seu país se organizou,
por exemplo, com intervenções de teatro-jornal em torno da campanha de
redução da maioridade penal e do plebiscito que houve sobre o tema”, e
que por isso, acaba dialogando muito com movimentos sociais também no
Brasil, os quais se propuseram a fazer discussões e mobilizações sobre
essa pauta.
“O grupo da Argentina, o Casonero, é também vinculado a um movimento
social chamado La Dignidad, que tem um trabalho de organização das
comunidades nos bairros, organização de restaurantes populares, de
serviços sociais, etc. O grupo chegou a construir uma escola popular de
teatro na Argentina. Então, tem uma experiência pedagógica, que para nós
é também muito interessante”, relata Douglas.
Diversidade regional
Dos grupos do Brasil, o objetivo do encontro em Maricá foi a tentativa
de sair do eixo Rio-São Paulo, muito conhecido pela concentração das
mais variadas atividades e propostas culturais. Por esse motivo, um dos
grupos que participou foi o Alfenin, da Paraíba, que atualmente
desenvolve um trabalho muito importante pela região Nordeste do país.
Mesmo assim, participou de São Paulo o grupo Estudo de Cena, que tem
uma vinculação muito estreita com movimentos sociais, como o MST,
apresentando-se em diversos espaços organizados por este e, em alguns
momentos, contribuindo diretamente na formação dos militantes da
organização, em oficinas e debates.
Além dos grupos parceiros, o MST também se fez presente com a Brigada
de Teatro Patativa do Assaré, na apresentação d’A farsa da justiça
burguesa, montada por integrantes da brigada do estado do Pará.
A ideia de se fazer um encontro internacional surgiu a partir da
necessidade de estreitar laços com grupos de teatro político ao redor do
mundo. Coisa que o MST já vinha fazendo ao participar de algumas
mostras, de processos de formação, festivais, etc.
“A gente foi se aproximando de alguns grupos e pautando a necessidade de
ampliar esses vínculos, de chegar num encontro entre grupos de vários
países que desenvolvem trabalhos no teatro político, além de ir
consolidando uma articulação, uma troca de experiências, de debates
estéticos, organizativos e de luta no campo teatral”, explica Estevam.
Numa clara intenção de se diferenciar de outros festivais e encontros
de teatro, que não se reivindicam encontros políticos, a nomeação deste
como Encontro Internacional de Teatro Político enfatiza essa dimensão
do fazer teatral enquanto instrumentos de luta e reforça essa
perspectiva no encontro e no trabalho desses grupos.
Segundo Estevam, a ideia é que esses encontros continuem gerando
frutos. “Daqui já saíram algumas propostas, de continuar esses
intercâmbios, de trabalho em conjunto de formação entre os grupos, de
intervenções conjuntas e de criar cursos latino-americanos de formação
em teatro político. Então, essa articulação entre os grupos tende a
continuar e se fortalecer mais a partir dessas duas atividades”,
conclui.

Turma do encontro na ENFF
Fotos: Verena Glass (2), MST
Disponível em
http://rosaluxspba.org/encontro-internacional-discute-o-papel-do-teatro-do-oprimido-na-transformacao-da-sociedade/
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