Corpo sincrético: 'A partir das 8' instalação performativa na composição de Ewá, a orixá da síntese
O discurso abre o tempo... as linhas de começo
O convite!
Ao Ila, ao Mailson, ao Mateus, ao Rafael, ao Diego, ao Maurício as pontas da minha estrela
Caríssimos, um novo tempo raiou no horizonte e fomos dignos de recebê-lo, uma vez que pudemos contemplar seu nascedouro com os próprios olhos!
Que isso seja, em si, um grande motivo de alegria para todos.
E é sobre o novo, um novo projeto, do qual alguns já tem um certo conhecimento, que gostaria de falar, aproveitando o ensejo e formalizando o convite para que você componha minha equipe de trabalho. Uma equipe-diga-se de passagem!- escolhida pelo tempo de maturação do mesmo em que, um a um, foi se inscrevendo na minha vida pessoal, na minha trajetóriaartistica e profissional de forma muito peculiar. Pessoas de quem tenho bebido (e me embebido!) da competência e seriedade com que desempenham sua atuação na cena artística da cidade com a qual dialogo e que hoje, penso, são altamente representativas do que acredito e, portanto,personas com as quais gostaria muitíssimo de compartilhar esta atividade, antes, humana, para depois artística, com enfoque religioso.
E sobre isso dou minimamente a saber:
"Seis pontas.
Seis caminhos.
Seis linguagens.
Seis meninos...
Seis tarefas
Seis encontros
Seis discursos
Seis encantos..."
Mailson, Ilaroque, Mateus, Rafael, Diego e Maurício são as pontas da estrela de Davi com que inicialmente me protejo e paramento para compor o Corpo Sincrético da atriz-performer, corpo do qual a orixá Ewá surge para sintetizar a busca pela pureza, o estágio de amadurecimento das ações e pensamentos com que cada religião se inaugura como Casa que se deseja acolhedora dos filhos de 'Deus' ou da(s) força(s) energética(s) criativa(s) do universo.
Tudo emergindo e imergindo desse grupo que irá estabelecendo no andamento do processo criativo colaborativo elementos lidos como conteúdo, forma e movimento que originam a pesquisa e fazem dela uma instalação performativa ritual, arte performática por assim dizer.
Se te interessar, confirme logo, por aqui ou por fone, pois precisamosconversar
O que é?
Performance de cunho artístico-religiosa com enfoque na composição corporal de uma entidade de matriz africana: Orixá Ewá
O que pretende?
O antigo lugar do dogma
absolutista e excludente de uns sobre outros, atualmente, motivado pelo
afloramento de uma outra mentalidade
mais aberta à diferença, aliada à força lei brasileira de nº 10.639/03 que nos
ajuda a compreender melhor a disparidade histórica étnico-raciais como lesão ao
direito de expressão de muitos povos, gessada e finita em si mesma, cede espaço
à convocação de um tratamento sensível e
possível da multiplicidade que essas importantes energias juntas, somadas,
podem potencializar em se tratando do belo, da arte e porque não dizer da
totalidade da vida que pulsa em tempo real reclamando uma forma nova de
encará-la como presente universal do cosmo, fruto da crença pessoal ou coletiva
sendo ela entendida como transcendência ou imanência, ou nenhuma e nem outra,
como queiram concebê-la, tanto os que se interessam ou não pelo assunto, como
os especialistas na causa.
A pesquisa, vista desse
prisma, busca, assim, promover não a ressignificação desses conceitos
religiosos em âmbito artístico e estético, mas romper a amálgama com que se
tratou a religiosidade como campo dissociado do corpo por séculos; sem a
compreensão da historicidade corporal, em âmbito religioso e como isso ganha
visibilidade na cena artística regional e, porque não dizer, universal. Corpo
esse carregado de códigos próprios, dentre eles os da religiosidade, cada uma
com seu valor específico, revisitadas pela arte performática propondo o
movimento de um outro encontro, este alicerçado no que cada um compreende como
seu, disponibilizado a um energia coletiva na qual o expectante protagoniza,
também e sobretudo, esse sentir e esse viver como evento, processual e final do
produto cênico obtido, advindo daí, a ideia de uma instalação performativa.
Como está se desenvolvendo?
Produto esperado?
A realização de uma instalação performática como objeto artístico que contemple a valorização dos princípios vivenciados nas diferentes religiões estudadas contemplados no corpo sincrético da atuante na composição corporal da orixá Ewá entidade do Candomblé
CORPO
SINCRÉTICO: “A partir das 8” INstalação PERFORMativa na composição de Ewá, a
orixá da síntese.
Por Rosilene da
Conceição Cordeiro[1]
Vasculhando coisas entre os tantos acontecimentos
com contornos bastante embaçados de algo vivido do qual não guardo detalhada
lembrança, guardados no interior daquilo que há de mais remoto em mim, vejo-me
entre velas, cuias com bebida alcoólica, crucifixos na parede, imagens
desconhecidas, meditações, rezas, cantorias, mesas onde se lia o Evangelho.
Recordo-me
claramente das inúmeras vezes em que, tomada pela mão de meu pai, fui levada a
benzer-me e a conversar com pessoas que
se vestiam de forma “diferente”, soprando fumaça de cigarro sobre mim,
chamando as boas energias pra me proteger e acompanhar- assim diziam elas. Quando
chegávamos ao recinto, casebre simples de escasso conforto, já encontrávamos
várias pessoas dispostas em bancos lateralizados, esperando a sua vez de
conversar com a “Mãe da Casa”. Quando chegava a minha hora, lembro que ela arrancava
com força os grampos que sempre trazia à cabeça para “amansar” meu cabelo
crespo e avermelhado tingido de sol naquele tempo do qual guardo devota
saudade. Dizia ela, a senhora que me atendia, que era preciso tirá-los para
poder receber o passe.
Conversava
comigo me chamando de “fia” e depois contava tudo pro papai, para ele cuidar
para que os perigos não chegassem na gente nem na nossa família. Um
procedimento que soava estranho a mim que participava de tudo entendendo muito
pouco ou quase nada daquilo que acontecia ali, comigo ou ante meus olhos
esbugalhados e curiosos, uma criança na casa de seus cinco ou seis anos
aproximadamente. Os encontros eram às terças e quintas-feiras, no cair da tarde
transcorrendo sem pressa noite a dentro e me pai era assíduo sempre que estava
em terra porque ele era marítimo, passava a maior parte da vida, da sua e da
nossa, viajando.
Nesse tempo claro que hoje pretendo
recuperar, encontro-me novamente com o balde de plantas, a panela preta na qual
a vovó cozia ervas deixando-as serenar a noite no tempo, “pra tirar o catarro
da cabeça da gente” com banhos cheirosos e frios logo pela manhã. Vovó entendia
de emplastos, garrafadas (espécie de chá composto de diferentes ervas
medicinais travosas da nossa região, selecionadas de forma meticulosa) pra
fortalecer o útero, e curava garganta de quem a procurava, adultos e crianças, com
limão assado e andiroba, fama que rendeu-lhe o apelido carinhoso de “Vovó
Mimita”, uma curandeira bondosa e prestativa - apesar de nunca reconhecer-se
como tal. Ela possuía o dom curar as pessoas da mesma forma em que foi ela
mesma curada, um dia, de um câncer em fase terminal, graças a sua fé e aos
“matos curativos” que hoje usa em favor da saúde de outras pessoas.
Em casa tínhamos a Bíblia e
falávamos de Deus. Apesar de não a lermos com freqüência lembro-me, saudosista,
que eu adorava as histórias que folheava vez ou outra, sobre a criação do
mundo, Davi e Golias, Sansão e Dalila, de Josué e as muralhas de Jericó. De
Jesus sabia muito pouco ou quase nada.
A Sutra Sagrada[2]
nos acompanhou simultaneamente por grande período: lia-mos Shisokan com recomendação para uso diário e o Acendedor, uma
publicação periódica que tratava de assuntos da atualidade e como os membros da
seita, que alguns chamavam filosofia japonesa deveriam agir frente aos mesmos. Cheguei
a decorar dois mantras japoneses usados no momento das meditações isso por
volta dos sete ou oito anos de idade mais ou menos.
Adorava
exercitar o riso com as mãos a altura do umbigo- uma prática que ajudava a nos
manter alegres e cheios de energia interior- e aguardava ansiosa, o lanche de
bolo e suco ao término das reuniões que aconteciam religiosamente às
quartas-feiras à tarde em Icoaraci mesmo, nos fundos da casa de uma gentil e
acolhedora família japonesa. Gostava de quase tudo, exceto da incomodação
que dava ficar naquela posição estranha e difícil- sentados, pés cruzados um
sobre o outro, deixando sempre a coluna ereta e a respiração pausada e profunda
comandar o resto do corpo. Ficávamos assim por horas, ouvindo palavras
repetidas às quais não conseguia atribuir qualquer significado importante, que
não sabia ao certo para que serviam, mas tinha certeza que levavam as pessoas
pra um outro plano de concentração talvez, distante daquele onde estávamos,
algo que hoje denominaria pelo meu pouco conhecimento de um transe profundo.
Foi
na SEICHO-NO-IE que aprendi a pensar positivo todos os dias, a ter alegria de
viver, a ver sempre o lado bom das pessoas e dos acontecimentos, tive inclusive
o privilégio de ouvir relatos de pessoas que se diziam curadas de problemas por
meio do agradecimento cotidiano permanente e do perdão, cuja oração mais parece
um hino de louvor a amizade como aqueles belos textos recitados por Davi nos
Salmos, mundialmente conhecidos.
Naquela
época mesmo gostando de muita coisa pouco compreendia o que tudo que
praticávamos lá e nos outros lugares que freqüentava que falavam de Deus, ao
mesmo tempo, tinha a ver com a espiritualidade da gente.
Interessante
é que, nesse mesmo período, agradava a mamãe durante a semana inteira para no
domingo ter o direito a algumas moedinhas que levava comigo à missa das
crianças para dar como oferta, mas que na verdade usava para ouvir a historinha
no “123” nos telefones públicos em frente a Igreja católica Matriz de São João
Batista, em Icoaraci, sempre que acabava
a celebração das crianças, que participávamos após a catequese, onde eu ia para
saber um pouco mais de Deus e conhecer outras crianças sapecas e divertidas
como eu. Por isso o domingo era o dia mais feliz da semana e o mais aguardado
por mim.
Cresci
ornada por símbolos, imagens cristalizadas pela lembrança que antes não tinham
esse nome: quadros de santos da casa do vovô Diniz e da vovó Minervina (ele era
devoto de São Francisco de Assis e Nossa Senhora das Graças e morava num retiro
no bairro do Tapanã que se chamava Retiro
São João; ela fervorosa
contemplativa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, guardava a terça-feira como
um dia sagrado pois acompanhava pelo rádio as novenas da referida santa).
Aprendi com eles a cultivar e guardar o culto aos santos, desenvolvendo o gosto
por um em especial: São Lázaro do qual tinha uma estátua de gesso, mantida
zelosamente sobre a única mesa que tínhamos em casa como adorno e como protetor
dos meus cachorros, os quais declarava amar mais do que as pessoas nesse tempo.
Vez
ou outra íamos ao terreiro da “Vó Gadi” (mãe de santo que cuidava da
espiritualidade do meu pai, aquela do casebre, para que nada acontecesse com
ele no mar em sua vida marítima e para nunca faltar trabalho e garantia do
nosso sustento) levando cigarros e bebida pra Dona Mariana[3],
a qual ouvi o papai chamar carinhosa e inúmeras vezes, de minha mãe.
Já
minha mãe verdadeira, Higina, Gina pros íntimos, nesse interin, parecia querer
fugir do universo da umbanda, sentia-se incomodada com essa mistura toda que
fazíamos indo de um lado a outro em busca de Deus, apesar de que a vovó dizia
que ela era filha de santo que tinha o Rompe Mato como guia mas decidiu jamais
seguir esse caminho, porque vovó, a
curandeira, abominava essa prática e a identificava
como “coisa do demônio”. Ouvi de minha tia irmã mais velha que mamãe não podia
ouvir tambor que começava a rodar e falar coisas estranhas e alguém falou de um
dom que ela tinha, mas que nunca desejou abraçar.
Hoje
entendo que mamãe procurava algum lugar onde sentir-se em paz, aconchegada e
livre para seguir um único Deus VIVO e VERDADEIRO como dizia ela sempre
enfatizava- que saudade de ouvi-la!. Buscava, na verdade, um único lugar para
viver sua crença em algo que desse sentido à uma existência vazia e atormentada,
ela que mesmo tão cheia de energia e viço de vida como pessoa encantadora que
era, tanto falou de viagens e suicídio durante toda vida. Algo que somente
agora começo a compreender.
Um
dia, sem que os aguardássemos, os crentes- evangélicos como gostam de ser
chamados- chegaram: era o aniversário da mamãe, exatamente no dia 11/01/1986
(difícil esquecer a data posto que o aniversário dela na conta dos dias mais
difíceis de toda nossa vida!). A nossa casa simples de quatro cômodos estava
toda arrumada, papai viajando e nesse dia não tínhamos o que comer- não
poderiam ter chegado num momento de maior fragilidade emocional!. Eles entraram
cantando e fazendo festa, eram muitos e parecia que nos conheciam de longa data
dado o acolhimento que tiveram conosco. Foi um dia memorável, mamãe ACEITOU
JESUS[4]
ali, diante de nós chorando copiosamente e querendo dar um basta à vida difícil
que tínhamos até então.
Passei muitos anos ressentida com a mamãe porque
quando os “crentes” entraram em casa seu primeiro ato, de súbito, foi pegar meu
São Lázaro e arremessá-lo para baixo da mesa com medo do que poderiam dizer
sobre o que críamos ali, na intimidade da nossa casa. Um gesto que ficou
marcado negativamente em mim como algo pecaminoso e errado.
Foram
anos diferentes, bons e igualmente difíceis aqueles nos quais estive com eles,
orando em comunidade, participando dos cultos, lendo a Bíblia e freqüentando assiduamente
a EBD- Escola Bíblica Dominical- descobrindo pouco a pouco como Jesus nos
salvou e o quanto nos amava. Difícil
sobretudo porque papai nunca aceitou a decisão de nossa mãe, o que gerou
profundos e sucessivos conflitos domésticos, como a dita guerra santa, que só
acabaram quando mamãe faleceu. Eu sempre
participava de tudo, da Igreja e dos conflitos, mas nunca me senti a vontade
para aderir aquele credo, pois ele não parecia dizer de mim e do que eu
acreditava. Mas fui fiel a minha mãe e a acompanhei enquanto pude e consegui
dialogar com aquele mundo diferente e novo.
Até
meus quinze anos foi celebrado com culto, porque assim a mamãe desejou. E como
era constrangedor para mim conceber o fato de que ali e somente daquele jeito
poderíamos servir a Deus de coração, como se nos outros lugares e de outras
formas diferentes fosse impossível encontrá-lo, pelo menos assim eu entendia o
discurso de pregação praticado naquele templo. No momento que chamavam de Apelo ficava completamente sem jeito para
aceitar aquilo que, pelo menos na minha concepção, já havia desejado e consumado há muito tempo:
Jesus já era meu conhecido e já o tinha recebido em meu coração de uma forma
muito íntima e particular. Eu precisava, realmente, confessar isso dentro de um
lugar específico e para aquelas pessoas? E os meus padrinhos Izomar e Veranice
que me batizaram quando ainda bebê, que eu respeitava e gostava tanto? O que
aconteceria com o batismo anterior, seria invalidado? Por que dois Batismos se
há um único Deus?
O
fato é que eu gostava de ir à missa e da mesma forma queria freqüentar o
espiritismo sempre que fosse convidada e sentisse vontade. A vizinha Ângela era
espírita, tão carismática e tranqüila que queria aprender a ser como ela. Lá,
onde ela se congregava e me levava, aprendíamos sobre mansidão lendo o
Evangelho, os professores pregavam sobre o amor e a caridade; o amor
incondicional aos mais necessitados era a chave mestra dos estudos dos quais
participei. Por esse e por tantos outros motivos, teria eu, realmente, que
fazer uma única escolha? Como se em todos os lugares encontrei tantos
ensinamentos importantes? O que faria daquilo tudo que já era eu, o que
qprendera da vida até então estava intimamente ligado aos lugares que
freqüentei e às pessoas que tive o prazer de encontrar pelos muitos caminhos da
fé. O que fazer com tudo isso?
Vivi
minha vida assim, toda sincretista, refletida em ramos diversos que saiam de um
mesmo tronco: tudo tinha seu valor. Cada coisa, do seu jeito, tinha uma relação
com Deus de uma forma bem peculiar. Tudo
me refletia um pouco e de tudo um pouco queria beber e aprender, sempre
buscando acordar e desenvolver minha natureza espiritual que a cada dia mais
queria aflorar e compartilhar vivências de diferentes modos, independente de
dogmas e convicções sectárias individuais. Isso me incomodou e entristeceu
profundamente por longo período.
Ainda
assim, levada por minha mãe e pelas circunstâncias, acreditei ter que tomar uma
decisão: escolhi ser católica. Esse gesto implicou em receber o Crisma[5]
e a participar de todo um movimento de distanciamento da vida anterior que tão
bem me representava, me traduzia como ramo e folhagem. Não consigo precisar o
tempo exato em que minha conversão à fé católica e os estudos que realizei no decurso
de minha atividade, nos vários segmentos em que tive a oportunidade de atuar- catequese,
liturgia, grupo de jovens, monitoria de crisma, pastoral dos enfermos, encontro
de casais, entre outros- o momento preciso em que minhas convicções pessoais
foram “levando-me” a esquecer o “resto” ou o todo desses outros espaços em que
transitei feliz e confusa por longo percurso, territórios que me permitiram
significativas descobertas, as quais procuro nutrir até hoje no interior do meu
cotidiano, do meu olhar holístico sobre a inteireza da vida.
Os
anos passaram e os dias de desencanto, desesperança e caos interior típicos da
maturidade chegaram impiedosos. Sentia-me desolada, triste, a procura de algo
que não sabia ao certo como chamar. Tudo em que sempre cri pareceu girar em mim
como um redemoinho feroz e avassalador. Uma onda gigante de distanciamento e
medo, rebuliço grande, atirando-me ao nada onde tudo perdeu a forma, a clareza,
doçura e o sentido. Um vazio íntimo, profundo e aterrador no qual me reconhecia
só e nua, desprovida de qualquer veste nova ou antiga que pudesse cobrir a
minha dúvida e a minha descrença. Tempo concomitante a minha separação do
marido e da Igreja a qual pertencia. Sentia-me estranha e desconhecida daquele
universo que por considerável tempo chamei de meu.
E
foi vagando solitária e sem rumo, no cruzamento da linha da minha vida com a
linha do horizonte que contemplei e desejei repousar no colo de EWÁ[6].
Foi ela que no fluxo de uma vida ramo, espraiada em muitas vivências dantes adormecidas,
quem soprou um hálito suave e revigorante sobre mim, fazendo-me revisitar
minhas memórias de infância e adolescência, numa viagem pessoal e inconfundível
que nunca pensei ter que fazer de novo. As ervas, as essências, o varal de
casa, o poço fundo que tínhamos no quintal que me convocava a olhá-lo tentando
alcançar o fundo, os livros sagrados que guardávamos, o quintal com as árvores
frutíferas onde trepamos ainda meninos, eu meus irmãos e primos, onde vivíamos
as mais incríveis fantasias, pareciam cômodos abertos que foram revirados como
caixas cheias de novidades embaladas pra
presente entregues a uma criança desejosa da surpresa.
Não
teria feito este retorno sem meu pai, minhas irmãs e um amigo-irmão de ofício,
generoso e sempre presente, o Mailson, que compreendeu meus choros não
justificáveis, minha não verbalizada angústia, minha inquietação e dor pelo
medo de trair aquilo que e parecia representar a “minha fé”. Com ele tive a
oportunidade de construir esse retorno de forma planejada e “segura” voltando
ao que sempre representou meu lar, meu recanto (re) conhecido e do qual me
eximi por longa e penosa data.
Quando
o Professor, diretor e pesquisador de performance Zeca Ligiéro veio a Belém,
sem que me atentasse para isso à ocasião, uma camada nova foi acrescentada em
mim por meio dos estudos que fiz em sua companhia e a partir dele, uma vez que
este despertou a minha vontade intima de aproximar-me com mais acuidade naquilo
que já me intrigava a bastante tempo. O mergulho às descobertas cientificas
começou ali, nas conversas sobre narrativas orais e performance ritual.
A professora Karine, quem diria, estava lá:
presença, provocação e segurança ela me proporcionou e proporciona pra eu
buscar hoje essas matrizes, forças motrizes segundo o Zeca, que me pertencem
pela ancestralidade, um tesouro guardado que ela tratou de trazer à tona com
cuidado direto para minhas mãos, um universo totalmente desconhecido que agora
quero penetrar pela arte e pela fé.
O
Professor Claudio Dídima, amigo carinhoso e prestativo que num momento de dor
estrema me conduziu ao Luciano, a pessoa que me pegou pela mão e pelo abraço que
quero retribuir rendendo-me aos encantos de uma outra visitação espiritual que
agora pretendo de forma decisiva. O Maison passou de amigo a irmão de sonho e
de fé, parceiro com o qual divido essa mulher que desabrocha pronta para adentrar esse novo cenário que
desponta diante de mim.
Ao
encontrar-me em EWA com sua energia ancestral, lendo-a tão somente, senti-me
vasta e ao mesmo tempo tão restrita, apequenada e margeada por signos que me
reaproximam do terreiro, da pergunta que move a pesquisa me convidando a adentrar
seu átrio por meio do arte cênica performativa, pelas lentes do ritual, como um
vulcão que acabou de acordar entrando em erupção, sem retorno.
A
orixá mutante convida-me a beber da
suavidade com que desenha no ar seu corpo sinuoso e movediço, pedindo para inscrevê-la no espaço de
atuação-criação onde reina livre e esbelta diante de nossa pretensa
humani(banali)dade. Reina EWA com ginga, encanto e cadência chamando-me para um mergulho em minha ancestralidade.
Protetora, aponta-me as reminiscências de meu ser crente: mulher cabocla, energia andrógena entre a
pajelança e a afro-brasilidade. “Menina
mestiça” visivelmente marcada pelo trabalho, pela resistência, pelo quadril
vibrante e dançante, pela contagiante alegria de um viver ao extremo.
Performance
ritual, cultura afro-brasileira, sincretismo religioso e fé misturam-se
compondo a matéria da qual ela ergue-se Senhora
do Tempo, da síntese da cor e da transformação, alojando-se na fenda inscrita
entre arte e vida, vida que vira arte devolvendo-se ao que representa em
amplitude mística e força vital.
Percebendo-me
hoje física e emocionalmente ligada a essa pesquisa, reencontro traços, ritmos
e potências que assinalam uma possibilidade de vislumbrá-la como imagem
caleidoscópica, entre os contornos labirínticos de sua existência
encantadoramente poligráfica totalmente convidativa à pesquisa-criação no
âmbito da religiosidade com aporte no sincretismo religioso que me constituiu o
ser humano crente que me constitui diante da trajetória que acabei de expor.
Axé! Que venha a orixá do brilho vasto e
rosado, ponta extrema do crepúsculo armado em arco no fim da tarde. Rosilene
aninha-se no vértice que te materializa como forma e candura do mundo
espiritual paralelo que atravessa nosso presente vivencial.
Que
venha EWA em meu corpo sincrético atuante, seu nascedouro florido, cravado de
aromas, a “benzer” nossa espera por outro tempo, mais ecumênico talvez, saudado
com tua dança e tua proteção, teu legado-presença iluminada que já é, em si
mesma, a personificação da própria luz.
“Ri
Ró, Ewá!”
[1]Atriz e
pedagoga pela UFPA. Especialista em estudos contemporâneos do corpo pelo
Instituto de Ciências da Arte- ICA/UFPA. Ministrante de cursos e oficinas nas
áreas teatro, literatura e educação ambiental em instituições públicas e
particulares de ensino, eventos e afins. Professora na SEMEC/Belém-PA e Técnica
Educacional na SEDUC/PA. Integrante da Cia Avuados
de Teatro e GT(r)Ua da Universidade Federal do Pará.
[2]
Escritura sagrada de prática diária da filosofia japonesa SEICHO-NO-IE criada
pelo Profo. e Mestre espiritual Masaharu Taniguchi, que significa LAR DO
PROGREDIR INFINITO, da qual tive a oportunidade de participar em boa parte da
minha infância.
[3]
Reconhecida entidade da umbanda mais conhecida como cabocla Mariana.
[4] Momento
mais significativo durante o culto evangélico no qual o pastor convoca os não
membros da Igreja a “aceitarem Jesus cristo com seu Senhor e Salvador” fato que
se consuma com a adesão à Fé Cristã, devendo ser expressa por meio do Batismo
nas águas na presença da assembléia da religião a qual está se convertendo.
[5]
Considerado o Sacramento do cristão maduro, é recebido depois de estudos
preparatórios para a celebração na qual se recebe a unção com óleo santo,
significando a confirmação das promessas do Batismo assumidas agora não mais
pelos pais e padrinhos, mas pelo cristão consciente de seu papel social como
propagador da Fé católica, por meio do anúncio e da denúncia de tudo que for
contrário ao projeto de salvação, começado em Jesus Cristo e levado adiante
pelos seus fiéis seguidores, sua Igreja.
O convite!
Ao Ila, ao Mailson, ao Mateus, ao Rafael, ao Diego, ao Maurício as pontas da minha estrela
Caríssimos, um novo tempo raiou no horizonte e fomos dignos de recebê-lo, uma vez que pudemos contemplar seu nascedouro com os próprios olhos!
Que isso seja, em si, um grande motivo de alegria para todos.
E é sobre o novo, um novo projeto, do qual alguns já tem um certo conhecimento, que gostaria de falar, aproveitando o ensejo e formalizando o convite para que você componha minha equipe de trabalho. Uma equipe-diga-se de passagem!- escolhida pelo tempo de maturação do mesmo em que, um a um, foi se inscrevendo na minha vida pessoal, na minha trajetóriaartistica e profissional de forma muito peculiar. Pessoas de quem tenho bebido (e me embebido!) da competência e seriedade com que desempenham sua atuação na cena artística da cidade com a qual dialogo e que hoje, penso, são altamente representativas do que acredito e, portanto,personas com as quais gostaria muitíssimo de compartilhar esta atividade, antes, humana, para depois artística, com enfoque religioso.
E sobre isso dou minimamente a saber:
"Seis pontas.
Seis caminhos.
Seis linguagens.
Seis meninos...
Seis tarefas
Seis encontros
Seis discursos
Seis encantos..."
Mailson, Ilaroque, Mateus, Rafael, Diego e Maurício são as pontas da estrela de Davi com que inicialmente me protejo e paramento para compor o Corpo Sincrético da atriz-performer, corpo do qual a orixá Ewá surge para sintetizar a busca pela pureza, o estágio de amadurecimento das ações e pensamentos com que cada religião se inaugura como Casa que se deseja acolhedora dos filhos de 'Deus' ou da(s) força(s) energética(s) criativa(s) do universo.
Tudo emergindo e imergindo desse grupo que irá estabelecendo no andamento do processo criativo colaborativo elementos lidos como conteúdo, forma e movimento que originam a pesquisa e fazem dela uma instalação performativa ritual, arte performática por assim dizer.
Se te interessar, confirme logo, por aqui ou por fone, pois precisamosconversar
O que é?
Performance de cunho artístico-religiosa com enfoque na composição corporal de uma entidade de matriz africana: Orixá Ewá
O que pretende?
· Construir
uma Perfomance, aqui denominada instalação
performativa, inspirada na reunião de diferentes vivências de religiosidade
praticadas na região amazônica, as quais perpassam matrizes que vão da
pajelança cabocla, do umbandismo, das crenças populares nas festas de santos no
catolicismo, em seitas de matrizes orientais e do protestantismo brasileiro,
inscritos na historicidade da atriz/ performer sintetizadas e retraduzidas no corpo
da atuante na composição da orixá Ewá, entidade religiosa do Candomblé.
Qual a meta?
A realização de uma instalação
performática como objeto artístico que contemple a valorização dos princípios vivenciados
nas diferentes religiões estudadas contemplados no corpo sincrético da atuante na composição corporal da orixá Ewá entidade
do Candomblé.
Por que se justifica?
A
história da religiosidade na Amazônia se constrói do encontro. Matrizes de
diferentes cores e matizes constituem a base da formação primeira de um povo que
apesar de hoje ser compreendido a partir do valor real do diverso, já foi visto
para além da poesia que com que pretendamos representar esse importante, porém
conflituoso momento histórico. O encontro primeiro não foi feliz: a supremacia
branca não reconheceu o indígena nativo em seu viço de peculiaridades
singulares além de negar, pelo traço marcante da pseudo soberania racial européia,
a dignidade, essa sim imperiosa, dos povos africanos extraídos pela força do
solo materno legítimo onde reinavam seus valores, sua língua e dialetos, suas
tradições culturais, éticas, estéticas e, sobretudo, religiosas.
Toda
nossa formação humana e escolar no Brasil e na Amazônia, especificamente, num
primeiro movimento se instaura a partir dessa mentalidade primitiva: de que uns
detém o conhecimento final e a outros cabe apenas recebê-los de modo pacífico e
funcional. Essa forma de conceber a diferença sempre moveu e fortaleceu a idéia
de que uns ou alguns precisariam se ocupar do que os “outros” precisariam
aprender para se viver de forma harmoniosa e ordeira. E foram anos de subjugo e
retaliação étnico-racial totalmente desnecessários aos princípios de liberdade
e solidariedade que unem- ou pelo menos devem unir- os povos!
O
tempo tratou de cristalizar essas distâncias é bem verdade, mas com o
conhecimento que fomos adquirindo e com a nossa disposição em mudar, ele nos permitiu descobrir, pouco a pouco, ao
longo de inúmeras tentativas de aproximação o lugar de cada um nesse mundo arco-íris
e dialógico por natureza, fragmentado e incompatível com a igualdade pretendida
por condição: a diferença que antes nos segredou a existência de uma única e
definitiva Verdade, sempre encarada do mesmo lugar uno e paralisante sem
considerar as diferentes riquezas culturais de cada um.
O
fato é que essas ideologias vivenciais atravessam o nosso sentir e o nosso fazer
nos diferentes campos em que atuamos, se manifestando em formatos diferenciados;
e na arte isso também se vê de forma evidente. O corpo do atuante
(ator-performer) recebe essas influências e as devolve ao meio da forma com que foi gerado, trabalhado,
concebido artisticamente e comunicado à sociedade na forma de obra artística.
Deste
modo, o presente trabalho artístico se justifica por oportunizar reunir
conceitos em separado, trabalhar com essas matrizes em sua valorização cultural
tendo no corpo o suporte no qual as linguagens (audiovisual/
musical/dramatúrgica/cenográfica) atuam de forma preponderante potencializando-o
como canal sincrético, um conjunto mestiço de possibilidades porque é nele que
se conciliam os conflitos de ordem teórica dando visibilidade ao todo e às
partes que integram sua feitura como obra.
Como está se desenvolvendo?
·
Formação
da equipe de trabalho;
·
Reunião
com a equipe para estabelecimento de cronograma de ações e agenda de encontros;
·
Encontros
para realização de estudos específicos acerca do tema; cada encontro voltado para
concepção e montagem das linguagens que atuarão no projeto (audiovisual,
cenográfica, dramatúrgica);
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Visitas
ao Ilê no qual se darão os estudos sobre a entidade do Candomblé Ewá;
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Concepção
e criação de toda a montagem da instalação performática como: figurinos,
cenário, iluminação, sonoplastia, objetos cênicos, projeto gráfico, etc.;
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Prestação
de contas mensal com a coordenação do IAP;
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Marcação
das datas de “presentação” da performance e datas para ensaios gerais;
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Montagem
da fotografia e filmagem para a divulgação do evento;
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Divulgação
do evento nas mídias do Estado;
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Realização
dos ensaios gerais para afinação de todos os elementos constitutivos da
performance;
Presentação da instalação
performática para a cidade de Belém e outros município do Estado.Produto esperado?
A realização de uma instalação performática como objeto artístico que contemple a valorização dos princípios vivenciados nas diferentes religiões estudadas contemplados no corpo sincrético da atuante na composição corporal da orixá Ewá entidade do Candomblé
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