Rosilene "C"ordeiro, os tantos lugares de mim


Já tive medo do escuro.
Hoje no escuro me acho, me agacho, fico ali.
(Clarice Lispector)


Desde 2008, EM ALGUM LUGAR DE MIM, tem sido uma experiência inesperada, mas frondosamente excitante.

Pedi ao amigo um texto naturalista e um dramaturgo me deu pano pras mangas em tecido vivencial, brando, denso, ramo, corda, pá, enxada, terreno...

Quando tive o texto entre as mãos pela primeira vez, confesso: sabia que não seria fácil, talvez um desafio lúgubre e frio demais que não me impressionou a primeira vista. Não era bem o que eu esperava, não sei se era exatamente o que ele pretendia - porque o autor também tem dessas necessidades de se contorcer em busca da palavra que pretende como sua!- mas ele veio texto, textura...

Da leitura branca aos meandros que fizeram dele uma encenação teatral onde a palavra reassume seu lugar de honra, levada a público em maio de 2011, vão-se três anos de entrega desmedida e muitas conversas de alcôva, ora solitária, ora em muitas vozes.

O convite, desde o início, cheirava a madeira velha, chão batido, frestas, água corrente, fosso, barulho de mata ao longe, vazamentos de luz e sombra, muitas sombras projetadas pela memória estimulada pela busca no vazio indicando um espaço ainda não visitado pela minha experiência cênica. Algo totalmente diferente parecia despontar anunciando algumas outras aprendizagens que precisava fazer nessas quase duas décadas em que o teatro divide a mesa e a cama comigo: os sabores/ dissabores, os gozos/ desgostos, entre dormir e acordar com ele entre meus afazeres diários e mais altos interesses existenciais.

Quando o Mailson falou que chamaria a Wlad Lima pra nossa curadoria eu disse: "é ela! tem que ser ela. É um trabalho de fundura, e de fundo ela é uma perita". Mas ele como bom e perfeccionista amante da palavra que é, palavra que sai dele como mola, queria mais: desejava ouvir a Bene Martins que, cá pra nós, é outra sumidade no trabalho com a dramaturgia enquanto texto. Seguir sem a sua honestidade e fraanqueza quanto às impressões dela sobre o escrito nos deixava na imprecisão. Bene leu o texto, indagou dele, conversou especificidades com ele- que no período a acompanhava como bolsista no projeto Leituras Dramatizadas- recebendo dela o apoio necessário para investir em torno da teatralidade do mesmo.

O Walter Bandeira já havia se pronunciado. Gostava da estranheza da obra e da abertura que ela dava aos ouvidos de quem com ela cruzava a escuta. Pudemos, inclusive, certa vez, fazer uma leitura primeira em sua presença, a qual ele acompanhou delicadamente de olhos fechados, porque de olhos fechados o Walter ouvia bem melhor, porque viajava mais. Lembro de ouvir dele que era preciso zerar a imagem, porque a voz, sozinha, tinha o poder de potencializar os cenários. porque eles eram muitos em se tratando de radionovela.

Tentamos um primeiro elenco com o Leandro Haick. Isso foi deveras importante. Nossa 'trupe' ali denominada Os incestuosos era composta por mim, Mailson e Leandro, momento em que montamos um fragmento inicial do espetáculo o qual apresentamos no Projeto CENA ABERTA de 2009 (se não estou enganada!), era um esboço do que se constituiria nossa invasão em outros caminhos.

Por questões de ordem pessoal o Leandro decidiu sair, mas dele permaneceu o espectro de "A" a rondar o nosso fazer e a força motriz que, inicialmente, convocou "C" a revelar-se cada dia um pouquinho. A Rejane Lima chegou e também precisou sair. A impressão que eu tinha é que o trabalho parecia carregado demais pra dialogar com a gente e era estranho o sentimento que transcorria naquele tempo. Estranhamento era o termo mais apropriado que eu encontrava para traduzir minha relação com aquela idéia.

Quando o Dário e o Fabrício chegaram a atmosfera ganhou leveza, isso é um fato. Era preciso menos envolvimento emocional com a proposta disso tínhamos clareza, e os dois atores vieram com essa energia: montar um texto que gostaram e que estavam muito a vontade pra fazer.

Eu esperava um certo percurso e, ao que parece, minhas exectativas iniciais foram completamente invadidas pelos rumos que a dramaturgia de A, B e C foram assumindo no decorrer desse enredo de trama obtusa, enredada na história de vida dos atores e do que eles tinham a oferecer como matéria-prima na qual o texto foi esculpido como cena, arte do ator em respiração e frequência cardíaca da hora presente, medida somente no ato de cada nova incursão que fazíamos a cada novo mergulho que dávamos na presença dos espectadores e espaços nos quais transitamos nas apresentações que se seguiram até aqui.

Desse "todo" criação artistica- e foi tanto o aprendido!-que reservo-me aqui, relatos de um processo pessoal que comunico na tentativa de retornar a ele pela escritura enquanto memorial com ânsia de lê-lo em linhas- sendo ele um espetáculo em nada linear-, devolvendo-me a prova, o traço e o laço que tornam esse trabalho uma obra autoral dividida em oito braços e outros tantos: os do Mailson Soares, do Fabrício de Souzsa, do Dario Jaime e dos meus, dos amigos que estiveram conosco e dos inúmeros espectadores nas viagens sonoras e imagéticas obtidas nas interlocuções que fizemos até a presente data.

É só uma tentativa e, como tal, passível de reformulações e adendos.

"Já tive medo do escuro..."

Os ensaios começaram em janeiro de 2011. A IFPA foi a porta parceira que se abriu na pessoa da Profa. Dra. Silvia Silva, a quem devemos o nascedouro físico concreto da idéia inicial, camada de sonho. Em Belém/ PA ainda vivemos o desafio de encontrar nos espaços legitimados pela arte celeiros onde o fazer artistico se efetive com regularidade e o reconhecimento que merecemos pelo exaustivo trabalho que temos nas montagens de espetáculos que quase sempre começam no infortúnio de qum não tem um patrocínio decente para transcorrer dentro de um clima tranquilo de acolhimento e valorização do nosso ofício. Parcerias é como denominamos nossos padrinhos patrocinadores que quase sempre fazer parte do mitiê.

No IFPA, foram quatro meses de dois encontros semanais nos quais desenvolvíamos laboratórios em torno do "dizer teatral", categoria vocabular que surgiu nas experiências da radionovela quando eu e Mailson éramos ainda vinculados ao projeto de extensão na ETDUFPA, desenvolvido pela coordenação dos Profos. Walter Bandeira e Iara Sousa, ainda no biênio 2007-2008.

A pesquisa caracterizada por mim como psicofísica começou de forma simples com exercícios e movimentações trazidos pelo Mailson, nosso encenador que também assina a autoria do texto escrito em estrutura frasal, sem rubricas que nos permitissem compreender o 'algo mais' dos personagens quanto a quem eram, o que faziam, onde estavam, que relação tinham entre si, qual a trama afinal, onde pretendiam chegar, porquê, enfim.

A voz era algo que desde o princípio nos influenciava a pensar o trabalho. O cuidado de empregá-la corretamente a fim de evidenciar a força e a sinergia da palavra texto-ato conferindo-lhe contornos nítidos e, ao mesmo tempo polifônicos pelas diferentes formas de "grafá-la" no ouvido do espectador, foi um mote importante do qual nos aproximamos para "brincar" de palavrar. Porque a princípio era exatamente isso que fazíamos: brincadeiras de dizer a palavra de diferentes formas alternando ritmos, sequências ênfases silábicas, silabando-as, numa experimentação lúdica sem fins específicos. Ali, naquele momento exato, interessava-nos a aproximação com o universo lúdico, com o jogo que o imaginário criativo nos permitisse explorar.

(Texto ainda sem correções devidas. Segue em construção)



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