"Não leio para pensar, para aprender. Não leio para procurar pela verdade. Eu conheço a verdade. E da verdade dificilmente eu preciso. Leio para sonhar. Leio para viver a vida de outras pessoas. Leio sobre as alegrias, sobre o mundo, sobre tudo que é futilidade para os afortunados. Eu consigo ouvir os ecos nas entrelinhas. Eu leio para sobreviver. Para escapar da vida. Não, Capitão, não tenho ilusões. Reconheço os limites dos meus sonhos. Eu sei o quanto os sonhos podem machucar, quando não se percebe a tempo que são meros devaneios. Sonhos são como flores. Oferecem néctar... Oferecem delicioso néctar entre as pétalas. Mas não se engane Capitão, pois veneno também corre ali. Uma borboleta que se alimenta por muitos verões, e se embriaga de ilusões, está fadada à morte. Eu leio para voar, para planar. Não leio para me aventurar. Eu não me deixo enganar por sonhos, pois eles sempre viram expectativas. E como eu posso ter expectativa de alguma coisa? Olhe pra mim. Não, Capitão, olhe pra mim! Olhe pra mim! Eu não espero por coisas que não posso ter. Eu não me prendo ao que não posso manter. O mais que você se prende, mais você se ilude, mais a dor toma conta do seu ser, quando você se vê sem nada. Sozinha... Ah, mas se não se tem expectativas, Capitão. A decepção nunca será parte da sua vida..."


(Trecho belíssimo da Peça Paixão Fosca, de Guál Dídimo, 2009
Foto: Senhora Hoggê, personagem da Peça "Luz nas trevas" de Bertold Brecht, encenada pela Má Cia. de Teatro)

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